Para até 15% das mulheres, o período menstrual é uma experiência torturante e incapacitante, que pode causar problemas psicológicos e levar ao afastamento social. Vítimas de endometriose, elas sofrem cólicas tão fortes que precisam recorrer ao pronto-socorro e, não raras vezes, chegam a desmaiar de dor. Nos últimos anos, pesquisadores começaram a constatar um aumento nessa incidência. Embora os médicos concordem que, em parte, o fenômeno está associado à melhora do diagnóstico, alguns estudos sugerem a participação de agentes tóxicos ambientais no incremento de casos da doença.
As investigações concentram-se especialmente na influência do bisfenol A (BPA) e das dioxinas no desenvolvimento da endometriose. Os nomes podem parecer pouco familiares, mas trata-se de substâncias presentes em praticamente todos os aspectos da vida moderna. Sintetizado pela primeira vez no fim do século 19, o BPA entrou em uso comercial na década de 1960 e é empregado na fabricação de plásticos rígidos. Eletrodomésticos, potes, mamadeiras, embalagens, latas e outra infinidade de produtos indispensáveis ao dia a dia contêm o composto químico que pode contaminar alimentos e bebidas, ainda que em pouca quantidade. Já as dioxinas são subprodutos de processos industriais, como queima de material hospitalar, fumaça de veículos e resíduos das termelétricas.
Em comum, esses agentes são desreguladores endócrinos, explica Bianca Bianco, geneticista do Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo. “Os reguladores podem mimetizar a ação de um hormônio, como se estivessem fazendo a função dele. Têm sido ligados a problemas como puberdade precoce, infertilidade e endometriose”, conta. A médica é autora de um artigo publicado no jornal Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde que faz uma revisão de pesquisas que relacionam essas substâncias à endometriose. “Uma vez que mimetizam o hormônio, podem estimular a expressão de um gene e causar a doença”, afirma Bianco, ressaltando, contudo, que ainda não há confirmação desse efeito.
A dificuldade está no fato de a endometriose ser uma doença multifatorial. Entre os prováveis causadores, estão falhas no sistema imunológico, que não consegue destruir as células do endométrio que crescem para além do útero; e um número muito grande de genes relacionados. Tanto variantes quanto desregulações na expressão genética são fortes candidatos a desencadeadores da doença. Os fatores ambientais não provocariam mutações, mas, como se fossem interruptores, ligariam ou desligariam determinados genes, provocando alterações no sistema endócrino. “Outra questão é que não se sabe se o problema surgiria devido a uma substância isolada ou se por uma mistura dessas substâncias. Não podemos dizer que os desreguladores endócrinos são os únicos vilões”, destaca a geneticista.
Constatações diversas
Ainda assim, um corpo crescente de estudos investiga essa associação. No artigo de Bianca Bianco, ela cita 11 trabalhos internacionais realizados com mulheres e animais nos quais foram pesquisados os efeitos de substâncias sobre o desenvolvimento da endometriose. Um deles, conduzido na Bélgica, constatou que a prevalência da doença em mulheres inférteis varia de 60% a 80% – nesse país, as concentrações de um tipo de dioxina no leite está entre as mais altas do mundo.
Em outra pesquisa, cientistas canadenses implantaram tecidos do endométrio na cavidade pélvica de macacos expostos cinco vezes por semana a doses de dioxina ao longo de um ano. Nos animais que tiveram contato mais longo com as maiores dosagens da substância, o fragmento persistiu e aumentou, de forma similar ao que acontece na endometriose.
Chefe do ambulatório de endometriose do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o ginecologista Marco Aurelio Pinho de Oliveira tem percebido, na prática, o que os estudos sugerem. Há 18 anos, o médico atende pacientes na instituição e diz que está notando um crescimento expressivo no número de casos de endometriose. “No ambulatório, usamos os mesmos métodos diagnósticos durante esse tempo, e observo que houve um aumento real de pacientes mais jovens e mais graves”, diz.
Depois de avaliar estudos científicos, o médico tem poucas dúvidas sobre o motivo por trás disso. “O meio ambiente, hoje, é altamente agressivo. Os desreguladores endócrinos são liberado no plástico, estão nos alimentos, na água…”, enumera. “Provavelmente, essas pacientes têm uma tendência genética e as substâncias tóxicas do meio ambiente interagem com esses genes, fazendo com que a doença se desenvolva”, explica.